Rua Goa

Rua Goa

31 de Outubro de 2023 0 Por redacção

Em termos territoriais (4.194 quilómetros quadrados) e populacionais (1,344 milhões de habitantes), Goa é o menor Estado da Índia, mas o mais rico em PIB per capita do país. Situada entre Maharashtra a norte e Karnataka a leste e sul, na costa do Mar da Arábia, a cerca de 400 km a sul de Bombaim, aquela região indiana já era conhecida há milénios: uma das primeiras referências remonta a 2200 a.C., surgindo referida como Gubio na escrita cuneiforme que é a designação geral de uma das mais antigas formas de escrita, neste caso constituída por pictogramas em forma de cunhas, simplificação de objectos e imagens do mundo. Goa era habitada por povos de diferentes etnias da Índia sob influência dos sumérios, visível no primeiro sistema de medidas da região. A sua língua oficial é o Concani, mas ainda existem pessoas que falam português, devido ao domínio de Portugal na região por mais de 400 anos. As suas principais cidades são Vasco da Gama, Pangim, Margão e Mapuçá.

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● A população tem crescido 14,9% por década e há 363 pessoas por cada quilómetro quadrado da sua superfície total, sendo que 49,77% da sua população vive em áreas urbanas. A proporção sexual do estado é de 960 mulheres para 1000 homens. O hinduísmo (65,8%), o cristianismo (26,7%) e o islamismo (6,8%) são as três maiores religiões goesas. Há ainda uma pequena comunidade judaica.

Actualmente, Goa é considerada o berço do “psy trance”, (abreviação de “psychedelic trance”), em especial a variedade “Goa trance”, um estilo de música electrónica que foi desenvolvido nos anos oitenta por hippies, viajantes e um sem-número de pessoas ligadas a manifestações de contra cultura, dados à experimentação, desenvolveram intuitivamente um novo estilo sonoro de batida rápida, através de sintetizadores.

De “Roma do Oriente”…

No séc XVI, Goa era um importante porto comercial da região, tendo sido conquistada pelos portugueses aos árabes em 1510. A primeira investida portuguesa deu-se entre 4 de Março e 20 de Maio, tendo sido tomada, sem combate, a 25 de Novembro, na sequência da expedição de Afonso de Albuquerque, auxiliado pelo corsário hindu Timoja. Desde 1510, Goa foi a capital do Estado Português da Índia, iniciando-se a expansão do domínio português. Em 1553, um quinto da região estava sob domínio português, nomeadamente as três províncias de Tiswadi, Salcete e Bardez, designados por “Velhas Conquistas”. No século XVIII, o território alarga-se a outras zonas de Goa, um período conhecido por “Novas Conquistas”. No geral, a propriedade da terra permaneceu na posse das gancarias ou comunidades de aldeia. Não obstante, as propriedades fundiárias passaram a integrar o património das ordens religiosas.

Os governadores portugueses pretendiam que Goa fosse uma extensão de Lisboa no Oriente, tendo-se empenhado na expansão do cristianismo e na defesa do território com a construção de igrejas e fortificações. Goa chegou a ser conhecida como a “Roma do Oriente”, erigida a 4 de Fevereiro de 1557 em Sé Metropolitana das dioceses de Moçambique, Ormuz, Cochim, Meliapor, Malaca, Nanquim, Pequim na China e Funay no Japão.

Importantes religiosos, como São Francisco Xavier, São João de Brito ou São José Vaz, partiram de Goa para expandirem o catolicismo no Oriente. Goa faz parte do nosso imaginário. Vultos das Letras Portuguesas como o poeta Luís Vaz de Camões (“Os Lusíadas”), Garcia de Orta (“Colóquios dos Simples e Drogas da Índia”) e Manuel Maria Barbosa du Bocage, entre outros, ali redigiram parte das suas obras.

Goa tinha direito a eleger os seus próprios representantes às cortes do reino e tinha representação no parlamento de Lisboa desde 1822. Dizia-se que quem viu Goa não precisava de ver Lisboa. Também foram criadas inúmeras escolas e liceus, uma escola médica (1842) e institutos profissionais e técnicos. Em 1900, Goa teve seu primeiro jornal bilingue gujarati-português.

O Estado Português da Índia era uma colecção de comunidades nativas, governadas por chefes tribais, por consentimento da administração portuguesa que dava liberdade étnica e religiosa e tolerava a continuidade dos costumes locais.

No século XVII, deu-se a decadência do porto e da centralidade comercial de Goa. O cosmopolitismo e monumentalidade da Velha Goa Portuguesa entrou num período de decadência e ruína, devido às políticas anticlericalistas do Marquês de Pombal e à consequente transferência da capital para Pangim. Para este declínio também contribuíram as derrotas militares dos portugueses para a Companhia Neerlandesa das Índias Orientais dos Países Baixos no Oriente. Também houve dois períodos de domínio britânico (1797-1798 e 1802-1813). Durante esta fase, muitos goeses emigraram para Mumbai, Calcutá, Puna, Karachi, entre outras cidades e acentuou-se o isolamento do território.

A “verruga” da União

Os ventos da História também chegaram à região, após os Ingleses terem deixado a Índia (1947) e os franceses terem saído da sua possessão no sul do país, Pondicherry (1954). No contexto da “Guerra Fria”, com a expansão da influência do bloco soviético na zona e o crescente conflito político-religioso entre hindus e muçulmanos, a 27 de Fevereiro de 1950, o governo indiano, de maioria hindu, apresentou ao Governo português, uma proposta de negociação para o Estado Português da Índia ser integrado na União Indiana.

Jawaharlal Nehru, primeiro- -ministro indiano, considerou que os três distritos daquele Estado representavam “uma verruga no território indiano que deteriorava o seu belo rosto”. Também não foi alheio ao interesse da União Indiana, as produções de ferro e manganês de Goa. O governo português, liderado por António de Oliveira Salazar, recusou considerar as questões de soberania daqueles territórios. A União Indiana promoveu acções de desestabilização, principalmente em Goa, com apoio internacional dos seus novos aliados. Em Janeiro de 1953, solicitou, na Assembleia Geral da ONU, que as possessões portuguesas sejam integradas no seu território. Entretanto, foi encerrada a delegação da União Indiana em Lisboa.

A 22 de Julho de 1954, deu-se a ocupação dos enclaves de Dadrá e Nagar-Aveli pela União Indiana. A 10 de Agosto, Salazar proferiu aos microfones da Emissora Nacional o discurso “Goa e a União Indiana, aspectos jurídicos”. No ano seguinte, o Governo português processou a União Indiana no Tribunal Internacional de Justiça, de Haia.

Em 26 de Novembro de 1957, a primeira decisão, sobre os aspectos processuais, deu razão aos argumentos de Portugal sobre a competência do Tribunal para julgar o caso. Depois seguiu-se a discussão sobre as questões de mérito, decididas em sentença, lida no dia 12 de Abril de 1960. Em grande parte, a sentença deu razão às pretensões portuguesas, ao reconhecer a Portugal o “direito de passagem” entre o litoral de Damão e os enclaves sujeitos à sua administração, de Dadrá e Nagar-Aveli, mas prejudicando claramente a sua aplicação, uma vez que reconheceu à União Indiana “o direito de se opor à passagem de tropas”, consagrando um conceito jurídico que ficou famoso e conhecido por “costume bilateral”.

Nehru ameaçou marchar pacificamente sobre Goa a 15 de Agosto de 1954, dia do sétimo aniversário da independência da União, iniciativa que redundou num fracasso devido à fraca adesão. Num discurso de 1955, o próprio Nehru afirmou que os indianos não estavam “dispostos a tolerar a presença portuguesa em Goa, ainda que os goeses queiram que eles aí estejam…”.

Em 1955, a União Indiana decidiu fazer um bloqueio social e económico às regiões sob tutela portuguesa que abrangeu serviços e infra-estruturas vitais à economia, atingindo, inclusive, bens individuais dos cidadãos. Na prática, foi cortado o comércio externo, ligações aéreas e ferroviárias com o exterior, as linhas telefónicas, contas bancárias, assim como foi proibida a movimentação de pessoas e bens entre Goa, Diu ou Damão e os restantes territórios controlados pela União Indiana. Neste contexto, foi criada a “Transportes Aéreos da Índia Portuguesa” (TAIP) e respectivas infra-estruturas aeroportuárias, para garantir o desenvolvimento das actividades económicas e a circulação de pessoas.

A “Operação Vujay”

Embora tenham ocorrido escaramuças entre forças de Portugal e da União Indiana alguns dias antes, a “Operação Vijay” por ar, mar e terra só teve início na manhã do dia 17 de Dezembro de 1961, culminando com a anexação, no dia 19, de Goa, Damão e Diu. Estes territórios foram considerados “a conquest by invasion” pelo Supremo Tribunal da Índia, ficando directamente dependentes do governo indiano. A disparidade de forças foi evidente, com cerca de 40 mil militares indianos para 7 mil portugueses. Um episódio caricato: conta-se que na tarde do do dia 17, quando já se combatia, chegou de Portugal via Carachi, um carregamento de munições anti-carro “Instalaza” com o nome de código “chouriços”. Quando foi descarregado observou-se com surpresa que foram enviados chouriços de carne, e não munições. O erro nunca foi devidamente esclarecido. Ainda a 17 de Dezembro, Portugal pediu uma reunião urgente do Conselho de Segurança da ONU que foi marcada para o dia seguinte. O Conselho viria a considerar “um cessar-fogo imediato, o termo dos ataques e a retirada das tropas indianas do território goês”. Mas a Rússia Soviética, no âmbito da sua hostilidade contra Portugal, vetou a resolução que condenava a União Indiana.

A 31 de Janeiro de 1962, Mário de Figueiredo leu o discurso de Salazar “Invasão e ocupação de Goa pela União Indiana”. A reacção à invasão foi considerada uma afronta e gerou uma forte reacção popular. Segundo alguns analistas, “a invasão de Goa foi aproveitada pelo regime português e serviu como um dos principais argumentos para suportar o envio maciço de tropas para os territórios africanos, que se seguiu”. A invasão indiana pôs fim a uma presença de 466 anos, de Portugal na Índia.

O reconhecimento de Portugal

A 15 de Outubro de 1974, Portugal reconheceu a plena soberania da União Indiana sobre os territórios de Goa, Damão, Diu, Dadra e Nagar Aveli. No final de 1974, Mário Soares, primeiro-ministro, fez um périplo por vários países, entre os quais a URSS. Na União Indiana, deslocou-se a Goa, Bombaim e Nova Deli, onde assinou com a Primeiro-Ministro, Indira Gandhi, um tratado entre os dois países, restabelecendo relações diplomáticas.

Hoje, Goa é um Estado da República da Índia, sendo Pangim a sua capital. Damão e Diu passaram a ser administrados directamente pelo governo indiano, sob o nome de “Território da União de Damão e Diu” (Union Territory Of Daman & Diu), enquanto Dadrá e Nagar-Aveli formam um território à parte.

A presença portuguesa nos antigos territórios é ainda visível na arquitectura e acompanha a presença do cristianismo na região. A cultura e a língua portuguesas, que viveram tempos difíceis após a invasão, estão agora a ser promovidas pelo Instituto Camões, a Fundação Oriente e diversas entidades locais, como universidades e colectividades.

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