Captura da sociedade civil pelo poder

Captura da sociedade civil pelo poder

18 de Outubro de 2023 0 Por José Antunes

São conhecidos vários exemplos na História em que o poder dominante, institucional ou não, absorveu, infiltrou ou criou estruturas capazes de silenciar a voz das suas causas e a organicidade de movimentos populares, substituindo-os por um artifício de comunidade e representatividade e transformando-os em meras caixas de ressonância do poder vigente.



● Em Benfica, assistimos a ‘votações’ num centro comercial e mais atrás no tempo, em 2012, a ex-presidente da JFB citava o posicionamento favorável à entrada da EMEL em Benfica emitido por uma tal “Associação de Comerciantes de Benfica”, que estaria sediada no Mercado de Benfica, mas da qual não se conhecia qualquer trabalho, muito menos representatividade do tecido comercial local.

Mas na actualidade importa falar de Campo de Ourique. Face aos planos do Metropolitano de Lisboa (o mesmo é dizer do Governo) em construir uma estação debaixo do Jardim da Parada, com acessos no próprio jardim e no quarteirão envolvente, comprometendo a preservação e integridade daquele espaço verde e resultando na diminuição da área de estacionamento, nasceu um movimento cívico em Agosto de 2022 para o salvar. Reuniram um número de peticionários suficiente para serem ouvidos na Assembleia da República e propuseram localizações alternativas para a estação.

No fim de Setembro, o Metro de Lisboa anuncia alterações cosméticas ao projecto que poderiam fazer crer erradamente que os impactos seriam menorizados, que naturalmente não tiveram qualquer apoio dos peticionários.

Exactamente um dia depois deste anúncio, surge uma reportagem, num jornal on-line focado em notícias de Lisboa, sobre um grupo, alegadamente de moradores, que defendia a localização da estação no Jardim da Parada e a reconversão do espaço num ‘superquarteirão’, que é o mesmo que dizer eliminação de trânsito e estacionamento no quarteirão do Jardim. Basicamente, tinham uma proposta que ia totalmente contra os propósitos do movimento de cidadãos original. Cavalgando a popularidade do tema e o “tempo de antena” que receberam, lançaram também uma petição, que ficou bastante longe das milhares de assinaturas da subscrição que pedia a preservação do Jardim da Parada.

Este novo movimento é estranhamente encabeçado por certas pessoas que nem sequer são moradoras. Por exemplo, uma delas trabalhou na Câmara Municipal de Lisboa (CML) nos dois anteriores mandatos na área de Mobilidade e outra consta nos corpos dirigentes de pelo menos três associações ligadas à defesa da dita mobilidade suave. Ou seja, são pessoas envolvidas em grupos de interesse que se sobrepõem ao interesse de quem ali faz a sua vida.

Notícia do mês de agosto revelou que a Junta local, com o apoio da CML, implementaria o ‘superquarteirão’ durante uma semana em Setembro. Está assim criado um interlocutor, sem verdadeira representatividade, mas que corresponde à medida dos interesses do poder dominante que, assim, pode dizer que ouviu a população.


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