
Rua Fialho de Almeida (1857 – 1911)
11 de Outubro de 2023Fialho de Almeida foi um jornalista, escritor e tradutor pós-romântico português e um furioso crítico de costumes da sociedade portuguesa.

● “Ouve lá, burguês rotundo. Um exemplo. Ouviste já nomear por acaso o Fialho de Almeida? Vagamente. Ora bem: esse Fialho é a mais rica natureza artística que Portugal tem gerado há duas dúzias de anos. Um talento grande, rutilando em génio por instantes. Em génio, sim.” Quem faz a interpelação à consciência bem-pensante da sociedade burguesa de Lisboa é Guerra Junqueiro, poeta maior da nossa Pátria, que aconselha: “Leiam “Os Pobres”, “O Filho”, “A Velha”, o “Idílio Triste”. Natureza de sensibilidade vibrátil, agudíssima, quase mórbida. Depois português, idolatrando o seu Alentejo, adorando a sua pátria, instintivamente, organicamente, como a raiz adora a terra”, escreve o poeta.
Efectivamente, Fialho de Almeida em conjunto com Ramalho Ortigão, entre outros tantos escritores, prosadores e cronistas, é um dos que passam para lá do tempo e formam um núcleo essencial para quem pretenda conhecer a língua portuguesa e, através dela, o ideal pátrio.
O seu estilo influenciado pelas tendências naturalistas, muito em voga na sua época, foi integrando outras estéticas literárias desde o impressionismo ao expressionismo. Enriqueceu a língua com vários neologismos, expressões populares e estrangeirismos.
Escrita vence medicina
José Valentim Fialho de Almeida, de seu nome completo, médico e escritor, nasceu em Vila
de Frades (Vidigueira), a 7 de Maio de 1857. Filho de Valentim Pereira de Almeida, mestre-escola natural de Oleiros e de Maria da Conceição Fialho, natural de Vila de Frades. Aos 9 anos, deixou o Alentejo e veio estudar no Colégio Europeu (entre 1866 e 1871) até aos 15 anos, instituição que abandonou por dificuldades financeiras. Foi ajudante de Farmácia do Altinho, situada no Largo do Mitelo, entre o Campo de Santana e o Paço da Rainha. Acabou por se formar em 1875 em Medicina que, por vezes, chegou a exercer na sua terra natal.
O seu interesse foi a escrita a que se dedicou por inteiro. A sua obra literária vai da crítica de arte à de costumes, publicada em jornais e revistas da época, em Portugal e no Brasil.
“Não temendo nunca”
Em Lisboa, estabeleceu-se na Rua Senhora do Monte até aos 36 anos (1893) quando se casou com Emília Pego, natural de Cuba, e instalou-se naquela vila, passando a tratar das propriedades agrícolas recebidas pelo matrimónio. Enviuvou menos de um ano depois, continuando a residir em Cuba, tendo realizado diversas viagens pelo país, Espanha e outros países da Europa. Doente, faleceu em Cuba a 4 de Março de 1911, com 53 anos de idade. O seu jazigo encimado por uma escultura representando dois gatos, numa alusão a “Os Gatos”, obra com seis volumes, que reúne o conjunto de peças literárias publicadas mensalmente de 1889 a 1894, está escrito um epitáfio que o próprio descreveu no prefácio: “miando pouco, arranhando sempre e não temendo nunca”.
Um excêntrico da literatura que assumia a pose boémia ou se passeava com o traje alentejano pelas ruas de Lisboa. Por vezes, provocava como nas exéquias fúnebres de Eça de Queirós, onde se apresentou com uma acintosa gravata vermelha.
Lisboa lugar de conflito e boémia
Lisboa foi lugar de boémia para Fialho de Almeida, ambiente que lhe foi afiando a língua para a severa e gozona crítica à sociedade portuguesa, hoje ainda actual e pertinente. Conhecia bem a cidade e tanto frequentava tertúlias de café como os lugares mais populares, nos quais observava a miséria e as dificuldades de um povo que viria a retratar nas suas obras. Escrita impulsiva, por vezes agressiva, dizem alguns, politicamente incorrecta, dizemos agora, mas honesta e consciente, que lhe causou diversos dissabores durante a vida. Descomprometido e rebelde, Fialho assinou também sob o pseudónimo “Valentim Demónio”.
O seu testemunho dá conta dos problemas maiores que afectam a sociedade ainda nos nossos dias presentes sob outras vestes, e propostas para os ultrapassar, das quais a mais importante passa pela educação e instrução do povo.
Fialho de Almeida colaborou com diversas publicações, entre as quais “Pontos nos ii” e “A Comédia Portuguesa”, “Novidades”, “O repórter”, nas revistas “Renascença”, “A Mulher”, “Ribaltas e Gambiarras”, “Branco e Negro”, “Brasil-Portugal” ou “Serões”. Em 1880, fundou a revista literária “A Crónica” e seis anos mais tarde surge como director do jornal “O Interesse Público”.
“Galinheiros” dos teatros: a tribuna
Sequeira Bramão, que fora secretário particular de Hintze Ribeiro, recordou a 26 de Dezembro de 1936, os nomes ligados à tertúlia do Café Martinho da Arcada: o que caracterizou esta casa era o grupo literário que todas as noites realizava as suas sessões de cavaqueira irreverente, em torno das chávenas de café e do pontífice que era o incomparável Fialho de Almeida. Na descrição que fez revela que “Fialho e Gualdino Gomes eram assíduos frequentadores dos chamados galinheiros dos teatros de Lisboa”. Do Café Martinho passavam à “acção directa” da crítica teatral, “através do aplauso vibrante e ruidoso, da pateada e, sobretudo, do hilariante chiste gritado em coro por espectadores da geral”.
Também Raul Brandão, relata nas suas “Memórias”: pertenceu à malta que ia com Fialho para o galinheiro dos teatros deitar as peças abaixo – pertenceu à malta esplêndida que se levantou como um só homem e gritou – Às armas! – quando, no palco, um actor vestido de porteiro anunciou aos outros a entrada do senhor general – metendo para sempre no fundo a peça, o autor e os comediantes.
Os “galinheiros” eram então os lugares mais baratos, com assentos menos cómodos, situados no topo das salas, atrás do segundo balcão, mais distantes do palco, com pior visibilidade e uma mais deficiente acústica.
Independente e rebelde
A sua personalidade independente e rebelde grangeou grandes inimizades. As suas críticas contribuindo para o seu isolamento que se fez notar principalmente, no final da sua vida.
A revolta de Fialho de Almeida contra o estilo “nobre” de retórica convencional, bienséanfe, oca, que classifica de “literatura gá-gá” ou a confraternização literária “enluvada e fina” cuja hipocrisia se passava nos cafés e gazetas, foram alvos frequentes da sua pena. De acordo com estudiosos, o seu espírito crítico antecipou o confronto com o “lepidóptero burguês” que animou, mais tarde, Almada Negreiros que no “Manifesto Anti-Dantas” evocou a “imensa piada” de Fialho.
Assassínio pelo silêncio
O “panfletário flagelador”, como o escritor se auto-intitulava, sofreu a censura devido à sua independência. O governo português impediu de publicar artigos no jornal brasileiro “Correio da Manhã”, incomodado com as referências críticas à República. Há quem assegure que Fialho pagou mesmo com a própria vida a imposição deste silêncio assassino. A hipótese de suicídio, que continua a envolver as circunstâncias da sua morte, parece ganhar consistência no testemunho de alguns amigos que o acompanharam nos últimos dias de vida e que apontam como causa próxima, mais do que a doença, o profundo desencanto e frustração agudizados por esta censura. A ameaça de expulsão do país que sobre ele fizera impender o governo, constituiu uma condenação ou “homicídio simbólico”, cujas consequências ao nível do conhecimento da obra ainda hoje se fazem sentir.
Homenagens
Na toponímia alfacinha, Fialho de Almeida entrou 21 anos após o seu falecimento, numa Rua das Avenidas Novas por Edital municipal de 12 de Março de 1932. Uma deliberação camarária de 1925, que não terá tido Edital, atribui o seu nome ao Jardim da Praça das Flores, mas a população não enraizou a denominação. A CML fez em 1957 uma exposição comemorativa do centenário do seu nascimento.
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