A propósito da Rua de Goa, Murtal, Parede

A propósito da Rua de Goa, Murtal, Parede

5 de Maio de 2023 0 Por redacção

A Rua de Goa é uma discreta artéria do Murtal, Parede. Quase não se dá por ela. Uma circunstância que contrasta com a grandeza do antiga Índia Portuguesa (DamãoDiu e Dadrá e Nagar Aveli, além de Goa que era a capital). Conheça um pouco mais a ‘Roma do Oriente’.



● Em termos territoriais (4.194 quilómetros quadrados) e populacionais (1,344 milhões de habitantes), Goa é o menor Estado da Índia, mas o mais rico em PIB per capita daquele país. Situado entre Maharashtra a norte e Karnataka a leste e sul, na costa do Mar da Arábia, a cerca de 400 km a sul de Bombaim, aquela região indiana já era conhecida a milénios: uma das primeiras referências data de 2 200 a.C., surgindo referida como Gubio na escrita cuneiforme é a designação geral de uma das mais antigas formas de escrita, neste caso constituída por pictogramas em forma de cunhas, simplificação de  objetos e imagens do mundo. Goa era formada por povos de diferentes etnias da Índia sob influência dos sumérios, visível no primeiro sistema de medidas da região. A sua língua oficial é o Concani, mas ainda existem pessoas que falam português, devido ao domínio de Portugal na região por mais de 400 anos. As suas principais cidades são Vasco da Gama, Pangim, Margão e Mapuçá.

A população tem crescido 14,9% por década e há 363 pessoas por cada quilómetro quadrado da sua superfície total, sendo que 49,77% de sua população vive em áreas urbanas. A proporção sexual do estado é de 960 mulheres para 1000 homens.  O hinduísmo (65,8%), o cristianismo (26,7%) e o islamismo (6,8%) são as três maiores religiões goesas. Há ainda uma pequena comunidade judaica em Goa.

Actualmente, Goa é considerada o berço do “psy trance”, (abreviação de “psychedelic trance”), em especial a variedade “Goa trance”, um estilo de música electrónica que foi desenvolvida nos anos oitenta por hippies, viajantes e um sem-número de pessoas ligadas a manifestações de contra cultura, dados à experimentação, desenvolveram intuitivamente um novo estilo sonoro de batida rápida, através de sintetizadores.

De Roma do Oriente´…

No séc XVI, Goa era um importante porto comercial da região, tendo sido conquistada pelos portugueses aos árabes em 1510. A primeira investida portuguesa deu-entre 4 de Março e 20 de Maio, tendo sido tomada, sem combate, a 25 de Novembro, na sequência da expedição de Afonso de Albuquerque, auxiliado pelo corsário hindu Timoja. A partir de 1510, Goa foi a capital do Estado Português da Índia, iniciando-se a expansão do domínio português. Em 1553, um quinto da região estava sob domínio português, nomeadamente as três províncias de Tiswadi, Salcete e Bardez, designados por “Velhas Conquistas”. No século XVIII, o território alarga-se a outras zonas de Goa, um período conhecido por “Novas Conquistas”.

No geral, a propriedade da terra permaneceu na posse das gancarias ou comunidades de aldeia. Não obstante, as propriedades fundiárias passaram a integrar o património das ordens religiosas.

Os governadores portugueses pretendiam que Goa fosse uma extensão de Lisboa no Oriente, tendo-se empenhado na expansão do cristianismo e na defesa do território com a construção de igrejas e fortificações. Goa chegou a ser conhecido como a “Roma do Oriente”, erigida em Sé Metropolitana das dioceses de Moçambique, Ormuz, Cochim, Meliapor, Malaca, Nanquim,e Pequim na China e Funay no Japão, a partir de 4 de Fevereiro de 1557. Importantes religiosos, como São Francisco Xavier, São João de Brito ou São José Vaz, partiram de Goa para expandirem o catolicismo português no Oriente. Goa faz parte do nosso imaginário Vultos das letras portuguesas como o poeta Luís Vaz de Camões (“Os Lusíadas”), Garcia de Orta (“Colóquios dos Simples e Drogas da India”) e Manuel Maria Barbosa du Bocage que ali redigiram parte das suas obras.

Goa tinha direito a eleger os seus próprios representantes às cortes do reino e tinha representação no parlamento de Lisboa desde 1822. Dizia-se que quem viu Goa não precisava de ver Lisboa. Também foram criadas inúmeras escolas e liceus, uma escola médica (1842)e institutos profissionais e técnicos. Em 1900, Goa teve seu primeiro jornal bilingue gujarati-português.

O Estado Português da Índia era uma colecção de comunidades nativas, governadas por chefes tribais por consentimento da administração portuguesa que dava liberdade étnica e religiosa e tolerava a continuidade dos costumes locais.

A partir do século XVII, dá-se a decadência do porto e da centralidade comercial de Goa. O cosmopolitismo e monumentalidade da Velha Goa Portuguesa entrou num período de decadência e ruína, devido às políticas anticlericalistas de Marquês de Pombal e à consequente transferência da capital para Pangim. Para este declínio também contribuíram as derrotas militares dos portugueses para a Companhia Neerlandesa das Índias Orientais dos Países Baixos no Oriente. Também houve dois períodos de dominação britânica (1797-1798 e 1802-1813). Durante o domínio britânico na Índia, muitos goeses emigraram para Mumbai, Calcutá, Puna, Karachi, entre outras cidades e acentuou-se o isolamento do território.

A “verruga” da União

Os ventos da história também chegaram à região, após os Ingleses terem deixado a Índia (1947) e os franceses terem saído da sua possessão no sul da Índia, Pondicherry (1954). Num contexto da “Guerra Fria”, de expansão da influência do bloco soviético na zona e o crescente conflito político-religioso entre hindus e muçulmanos, a 27 de Fevereiro de 1950, o governo indiano, de maioria hindu, apresenta ao Governo português uma proposta de negociação para o Estado Português da Índia ser integrado na União Indiana. Jawaharlal Nehru, primeiro-ministro indiano, considerou que os três distritos do Estado Português da Índia, representavam, “uma verruga no território indiano que deteriorava o seu belo rosto”. Também não é alheio ao interesse da União Indiana, as produções de ferro e manganês de Goa.

O governo português, liderado por António de Oliveira Salazar, recusou-se a negociar, afirmando não ser possível considerar questões de soberania dos seus territórios. A União Indiana começa a promover algumas acções de desestabilização, principalmente em Goa, com apoio internacional dos seus novos aliados.  A Janeiro de 1953, solicita na Assembleia Geral da ONU, que as possessões portuguesas sejam integradas no seu território. Entretanto, é encerrada a legação da União Indiana em Lisboa.

A 22 de Julho de 1954, dá-se a ocupação dos enclaves de Dadrá e Nagar-Aveli pela União Indiana. A 10 de Agosto, Salazar profere aos microfones da Emissora Nacional o discurso “Goa e a União Indiana, aspectos jurídicos”.

No ano seguinte, o Governo português processa a União Indiana no Tribunal Internacional de Justiça, de Haia. A 26 de Novembro de 1957, primeira decisão, sobre os aspectos processuais, dá razão aos argumentos de Portugal sobre a competência do Tribunal para julgar o caso. Depois seguiu-se a discussão sobre as questões de mérito, decididas em sentença, lida no dia 12 de Abril de 1960. Em grande parte, a sentença deu razão às pretensões portuguesas, ao reconhecer Portugal o “direito de passagem” entre o litoral de Damão e os enclaves sujeitos à sua administração, de Dadrá e Nagar-Aveli, mas prejudicando claramente a sua aplicação,uma vez que reconhecia à União Indiana “o direito de se opor à passagem de tropas”, consagrando um conceito jurídico que ficou famoso e conhecido por “costume bilateral”.

A 15 de Agosto de 1954, Nehru ameaça marchar pacificamente sobre Goa, dia do sétimo aniversário da independência da União, iniciativa que redundou num fracasso devido à pequena adesão de indianos. Num discurso de 1955, o próprio Nehru afirmou que os indianos não estavam “dispostos a tolerar a presença portuguesa em Goa, ainda que os goeses queiram que eles aí estejam…”.

Em 1955, a União Indiana decide um bloqueio social e económico às regiões sob tutela portuguesa que abrangeu serviços e infraestruturas vitais à economia, atingindo inclusive, bens individuais dos cidadãos. Na prática, foi cortado o comércio externo, ligações aéreas e ferroviárias com exterior, ligações telefónicas, contas bancárias, assim como foi proibida a movimentação de pessoas e bens entre Goa, Diu ou Damão e o resto dos territórios controlados pela União Indiana. Neste contexto, é criada a “Transportes Aéreos da Índia Portuguesa” (TAIP) e respectivas infra-estruturas aeroportuárias, para garantir o desenvolvimento das actividades económicas e a circulação de pessoas.

A “operação Vujay”

Embora tenham ocorrido escaramuças entre forças de Portugal e da União Indiana alguns dias antes, a “Operação Vijay” por ar, mar e terra só teve início na manhã do dia 17 de Dezembro de 1961, culminando com a anexação, no dia 19, de Goa, Damão e Diu. Estes territórios foram considerados “a conquest by invasion” pelo Supremo Tribunal da Índia, ficando directamente dependentes do governo indiano. A disparidade de forças foi evidente: cerca de 40 mil militares indianos para 7 mil portugueses. Um episódio caricato: conta-se que na tarde do dia 17, quando já se combatia, chega de Portugal via Carachi, um carregamento de munições anti-carro “Instalaza” com o nome de código “chouriços”. Quando é descarregada, observa-se com surpresa que foram enviados chouriços de carne, e não munições. O erro nunca foi devidamente esclarecido.

Ainda a 17 de Dezembro, Portugal pede uma reunião urgente do Conselho de Segurança da ONU que foi marcada para o dia seguinte. O Conselho viria a considerar “um cessar-fogo imediato, o termo dos ataques e a retirada das tropas indianas do território goês”. Mas a Rússia Soviética, no âmbito da hostilidade já estabelecida contra Portugal, deu o seu veto a tal resolução que condenava claramente a União Indiana.

A 31 de Janeiro de 1962, Mário de Figueiredo lê o discurso de Salazar “Invasão e ocupação de Goa pela União Indiana”. A reacção à invasão foi considerada como uma afronta e gerou uma forte reacção popular. Segundo alguns analistas, “a invasão de Goa foi aproveitada pelo regime português e serviu como um dos principais argumentos para suportar o envio maciço de tropas para os territórios africanos, que se seguiu”. A invasão indiana pôs fim a uma presença de 466 anos, de Portugal na India.

O reconhecimento de Portugal

A 15 de Outubro de 1974, Portugal reconhece a plena soberania da União Indiana sobre os territórios de Goa, Damão, Diu, Dadra e Nagar Aveli. No final de 1974, Mário Soares, primeiro-ministro, faz um périplo internacional a vários países, entre os quais à URSS. Na União Indiana, deslocou-se a Goa, Bombaim e Nova Deli, onde asssinou com a Primeiro-Ministro, Indira Gandhi, um tratado entre os dois países, restabelecendo relações diplomáticas.

Hoje, Goa é um Estado da República da Índia, sendo Pangim a sua capital.  Damão e Diu passaram a ser administrados directamente pelo Governo Central da Índia, sob o nome de “Território da União de Damão e Diu” (Union Territory Of Daman & Diu), enquanto Dadrá e Nagar-Aveli formam um território à parte.

A presença portuguesa nos antigos territórios é ainda visível na arquitectura e acompanha a presença do cristianismo na região. A cultura e a língua portuguesas que viveram tempos difíceis após a invasão, estão agora a ser promovidas pelo Instituto Camões, a Fundação Oriente e diversas entidades locais, como universidades e colectividades.


Fontes:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Goa

https://pt.wikipedia.org/wiki/Português_de_Goa

https://pt.wikipedia.org/wiki/Invasão_de_Goa

https://arquivo.pt/wayback/20100807124553/http://www.supergoa.com/pt/read/news_cronica.asp?c_news=521

https://expresso.pt/multimedia/fotogalerias/goa-50-anos-depois-o-que-resta-da-ocupacao-portuguesa-fotogaleria=f692833#gs.aiochf

https://pt.wikipedia.org/wiki/Transportes_Aéreos_da_Índia_Portuguesa

https://www.google.com/search?q=Goa&ei=EprSXJy0BcrylwSaqLKIDQ&start=10&sa=N&ved=0ahUKEwichbq7yIviAhVK-YUKHRqUDNEQ8NMDCMQB&biw=1301&bih=620

https://www.instituto-camoes.pt/component/finder/search?q=Goa&Itemid=1255

http://www.fmsoares.pt/aeb/crono/pesquisa?pesquisa=%20Uni%C3%A3o%20Indiana

https://www.janusonline.pt/arquivo/2004/2004_3_2_2.html

https://www.revistamilitar.pt/artigo/226

https://www.indiaportuguesa.com/o-fim-da-iacutendia-portuguesa.html

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