Casa da Quinta da Alagoa: ruínas à espera de melhores dias

9 de Fevereiro de 20230Porredacção

As ruínas da Casa da Quinta da Alagoa, bem no centro de um parque verde premiado, continuam sem rei nem roque. Quem se passeia pelo local é surpreendido por cercas e avisos que denotam já a passagem do tempo. Um património cultural que aguarda há anos a sua recuperação e que tem vindo a degradar-se. A Câmara Municipal de Cascais (CMC) remete-se ao silêncio.



● Em 23 de Setembro de 2017, Carlos Carreiras, presidente da CMC, anunciava a propósito da recuperação das instalações fabris da Legrand, uma intervenção na Quinta da Alagoa, onde se pretende “recuperar os espaços verdes, requalificar as construções em ruínas, dando-lhes usos culturais, nomeadamente um pequeno auditório e a reconversão de vias de acesso”. Só o que concerne aos espaços verdes se concretizou até agora com a criação do Parque da Quinta da Alagoa.
O Parque da Alagoa é um espaço verde qualificado com uma ‘mancha’ bem no centro e à vista de todos. Quem se passeia pelo parque depressa dá por umas ruínas da antiga casa senhorial que são um atentado à memória da freguesia e à própria estrutura verde, contrariando a qualidade ambiental e paisagística da zona.
Recorde-se que o Parque da Alagoa, concebido por João Ferreira Nunes, ganhou um prémio ‘Arquitectura Paisagista 2008’, tendo sido destacado pela “boa adequação ao local” e promoção da sustentabilidade “quer ao nível ambiental, quer social”.
O parque acompanha o declive do terreno com definição de uma variedade de espaços e usos. Os muros, construídos em betão pintado de cor branca, que muitas vezes se transformam em bancos, funcionam como elementos de contenção e de definição do terreno, ou acompanham o traçado dos novos caminhos.
As ruínas já tiveram vários destinos pensados. Em Junho de 1994, a Câmara Municipal de Cascais (CMC) assinou um protocolo com a instituição privada Ensino, Investigação e Administração (EIA) com vista à edificação de um estabelecimento de ensino superior no local.
A ideia não foi bem recebida pelos moradores que consideraram que o terreno seria explorado por particulares. Em Junho do mesmo ano, a Assembleia Municipal declara a aprovação do protocolo ilegal, baseado no facto de este órgão não ter sido consultado antes da sua assinatura, como estava previsto na lei.
Em 1999, a CMC anunciou que pretendia transformar o espaço num Centro de Artes interpretativas, sendo o anteprojecto da autoria do Arq.Caldeira Cabral.
Em 2014, uma proposta do Orçamento participativo visava a criação de um serviço educativo e cultural no parque da Quinta da Alagoa num espaço para acolher crianças e famílias (dinâmica intergeracional) e permitir oferta de agenda de actividades (artes plásticas, fotografia, exploração do espaço natural – percursos lúdicos).
A proposta foi rejeitada pela CMC, “porque a área de construção para o programa adequado e a capacidade de atracção de visitantes ao parque que deste resulte, acrescida da carga já existente de visitantes regulares, vai retirar ao parque a tranquilidade mesmo em ambiente urbano que o caracteriza, por se ultrapassar a capacidade de carga do mesmo” e acrescentava-se que o parque “tem já conteúdos suficientes (circuito de desporto, campos de ténis, parque infantil dos 0 aos 6 anos e outro dos 6 aos 12 anos, parque de merendas, peças escultóricas em topiária, espaço relvado para recreio informal, esplanadas, escola de hábitos alimentares (Projeto Vitamimos)”.
Não obstante, quanto à recuperação do património cultural da Quinta da Alagoa, a CMC remete-se ao silêncio e não respondeu às questões colocadas pelo ‘FREGUÊS DE CARCAVELOS PAREDE’. Entretanto, a eventual classificação da Casa da Quinta da Alagoa está ‘em estudo’ pela Direcção-Geral do Património Cultural.

Quinta com pregaminhos
A quinta tem pergaminhos históricos: no séc XVI, pertencia à Companhia de Jesus e o Padre António Vieira viveu nesta casa senhorial entre 1641 e 1653.
Por Carta Régia de 19 de Janeiro de 1759, a quinta é confiscada pela Estado, sendo doada, em 1763, por D José I, a José Francisco da Cruz, seu Tesoureiro-Mor, tornando-se propriedade dos morgados da Alagoa, entre os quais se destaca, ainda no séc. XVIII, Francisco Inácio da Cruz Alagoa, um dos grandes proprietários agrícolas da região de Oeiras.
Em 1841, os morgados tornam-se barões de Alagoa, concedendo a D. Maria II este título, por 2 vidas, a José Francisco da Terra Brum (1776 – 1842), destinando-se os terrenos à produção vinícola. Em 1842, pela morte do 1.º barão, ocorrida neste ano, a propriedade passa para a posse de seu filho José Francisco da Terra Brum (1809 – 1844), 2.º barão de Alagoa, que todavia nunca a visita, residindo sempre no Faial.
Em 1844, por falecimento do 2.º barão a propriedade passa para seu irmão Manuel Maria da Terra Brum (1825 – 1905), a quem o rei D. Carlos renova o título (aquando da visita régia aos Açores em 1901), tornando-se assim 3.º barão de Alagoa.
Em 1863, pela lei de extinção dos morgadios, José Francisco da Cruz Alagoa, é o 3.º e último morgado de Alagoa.
Em 1871, a quinta é arrendada a Jerónimo José Moreira e em Dezembro deste ano é levada à praça no Depósito público, sendo arrematada por Jerónimo José Moreira por 4.560$00.
Em 1879, Jerónimo José Moreira, proprietário da quinta, torna-se presidente da freguesia de Carcavelos. Em 1886, o rei D. Luís, e os ainda príncipes D. Carlos e D. Amélia visitam a quinta. Em 1892, o falecimento de Domingos José Moreira (irmão e herdeiro de Jerónimo José Moreira), faz com que a quinta passe para a posse de seu filho, Luís Carlos Moreira.
Em 1896, a quinta é arrematada em praça por Frederick Augustus Davidsone dois anos mais tarde a quinta torna-se propriedade de uma das filhas de Frederick Augustus Davidson, Fanny Mary Davidson, casada com Eduardo António Perestrelo de Vasconcelos.
Em 1899, a quinta é adquirida por D. Vasco da Câmara, filho dos condes de Belmonte (que já aí se instalara no Verão do ano anterior) que é nomeado Oficial-Mor da Casa Real em 1903. Na época, a vida social nacional passa pela quinta da Alagoa que recebe com frequência vários membros da família real portuguesa.
A importância vitivinícola da Quinta da Alagoa projecta-se nos prémios que conquistou com a marca ‘Alagoa’: Medalha de Prata na Exposição internacional do Rio de Janeiro (1908); Medalha de Ouro na Exposição Internacional do rio de Janeiro (1922), Medalha de Ouro na exposição das Caldas da Rainha (1927). A produção agrícola acaba em 1933. Com a falecimento dos proprietários, em 1944 procede-se a partilhas entre os filhos, ficando a quinta na posse do único varão, D. Vasco Manuel José de Figueiredo Cabral da Câmara, o qual empreende grandes transformações na propriedade, procedendo à plantação de pomares, ao arranjo do jardim. A Quinta passa a ser um ponto de encontro de personalidades, com uma vasta lista de nomes, onde figuram, por exemplo, o Rei Umberto de Itália ou o Arquiduque de Áustria.
Em 1978, morre o último patriarca da família Cabral da Câmara e é decidido o loteamento e urbanização dos terrenos da quinta, tendo em conta a impossibilidade da família manter a propriedade.
Em 1980, a CMC aprova o loteamento e urbanização dos terrenos da quinta. No protocolo assinado nessa época, previa-se a manutenção de toda a zona rural, bem como a utilização do palacete e antigo convento como espaço cultural, ao serviço da população de Carcavelos. Ainda nesse documento, foi estipulada a adaptação de uma parte imóvel para sede dos escuteiros locais.
Desde 1986, o edificado foi-se degradando, situação que se agravou com actos de vandalismo que destruíram o seu interior. Em 1989, a CMC afirmava que não possuía verbas para proceder a uma vigilância contínua ao local. Em 1990, o telhado desapareceu por completo.
Hoje, as ruínas são uma fantasmagoria do passado grandioso da Casa da Alagoa e da herança cultural da freguesia.


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