
‘Gabinete Dívida Zero’ apoia famílias endividadas
6 de Fevereiro de 2023Desde 2009, o Gabinete Dívida Zero (GDZ) da Associação de Beneficência Luso-Alemã (ABLA) oferece gratuitamente um atendimento técnico qualificado e confidencial no âmbito financeiro a pessoas e famílias sobre-endividadas. Até agora, apoiou 1300 pessoas e faz 400 atendimentos por ano. O mérito da iniciativa foi reconhecida com a atribuição do ‘Selo de Boas Práticas de Intervenção Social 2022’ pela Plataforma Supraconcelhia da Grande Lisboa e Oeste.

● Viúva e com 80 anos, a cliente ‘número um’ do Gabinete Dívida Zero (GDZ) da ABLA é um caso especial. Perdeu o marido e viu-se sozinha, com baixos rendimentos de um momento para o outro. Contrair dívidas foi a solução mais rápida que encontrou para enfrentar os problemas de saúde. O que acabou por a levar a um endividamento excessivo.
No dia 1 de Março de 2009, esta utente, a quem chamaremos ‘Maria’, com dívidas em dez cartões de crédito, encontrou no Gabinete Dívida Zero um ombro conselheiro e um apoio para lidar com as dificuldades económicas. Para a ‘Maria’ foi criado em conjunto com as financeiras e outras detentoras dos cartões de crédito, um plano de pagamento a seis anos. Prazo que acabou por se estender por mais uns anos. Onze anos depois, e já com 80 anos, esta humilde senhora viu-se, finalmente, livre das dívidas. Aprendiz da vida, é agora alguém que ajuda a vizinhança com conselhos sábios que aprendeu no seu longo processo. Uma retribuição à sociedade de um bem que aprendeu por experiência própria.
Cada dívida é uma dívida
Na verdade, são pequenos e grandes momentos como este que caracterizam o dia-a-dia do Gabinete Dívida Zero que até hoje apoiou cerca de mais de 1300 pessoas. Pedro Mateus, coordenador desta entidade, afirma que o objectivo “é entender a natureza das dívidas e a partir daí poder tratá-las”. “Uma dívida de 100 mil euros é diferente de uma dívida de 1000 euros”, salienta.
As dívidas têm diversas naturezas podendo envolver hipotecas, crédito à habitação ou estar associada a um simples cartão de crédito com uma taxa de juro muito elevada. Tudo merece uma cuidada atenção porque, às vezes, “os utentes podem não estar cientes do valor real da dívida”, assinala aquele responsável.
Pedro Mateus refere que, em geral, as dívidas são tratadas “como uma simples pastilha para resolver situações, acabando por ir aumentando o endividamento”, acrescentando que “não há educação económica na sociedade”. Assim, o Gabinete Dívida Zero, “começa por perceber as circunstâncias que levaram à situação de endividamento, depois procura as soluções mais adequadas e negoceia da melhor forma possível o pagamento”.
Depois da análise feita, os técnicos da GDZ concentram-se na dívida em causa e da situação da pessoa que procura ajuda. Por fim, é criado um orçamento familiar com contas organizadas por forma a colocar um ponto final na situação.
No modelo de actuação deste gabinete, destaca-se a confidencialidade, o apoio dado na procura de soluções e numa nova perspectiva de futuro. O processo de resolução não é solitário e os utentes são acompanhados. “Não queremos que as pessoas sejam ilhas, queremos que as pessoas sejam continentes, com muitos países.”, afirma Pedro Mateus. Todas as vitórias e conquistas são celebradas pelo GDZ.
Processo acompanhado
O Gabinete Dívida Zero é uma lufada de ar fresco na vida das famílias porque “as situações não são fáceis”, sendo as mais complicadas as que resultam dos cartões de crédito e das dívidas fiscais. “Essas fazem chorar, a nós e a quem precisa de nós”, revela Pedro Mateus. Mas os contactos com as Finanças ou a Segurança Social nem sempre são fáceis: “somos muito incompreendidos, dizemos que estamos para ajudar, que somos intermediários, mas não existe nenhuma humanidade do outro lado”, revela este responsável.
O tratamento de pessoas pelo número de contribuinte ou de segurança social é muito frio e desumano. “Esta ligação com os agentes do Governo tem sido muito difícil”, lamenta, acrescentando que “apesar da vontade e compreensão das pessoas do atendimento para as situações, na realidade não existem soluções reais que possam facilitar a vida às famílias”.
Há ainda o trabalho de casa feito pelos utentes do Gabinete Dívida Zero. Assim, em vez de soluções temporárias, os técnicos apostam na educação económica e comportamental. Pedro Mateus explica que “esta questão é muito mais dolorosa e difícil porque é preciso contrariar hábitos e práticas diárias com anos”, acrescentando que, por vezes, é preciso envolver a família ou mesmo vizinhos.
Pedidos cíclicos
A procura de ajuda tem vindo a aumentar até porque é gratuita. Segundo o coordenador do GDZ, existem ciclos: “de Janeiro a Março é uma altura de grande procura, por causa da questão do endividamento; de Abril a Junho, questões relacionadas com o IRS e a utilização do Portal das Finanças dominam. Depois das férias, em Setembro e Outubro, regressam os problemas do endividamento”, afirma. O atendimento do GDZ é feito com “muita atenção e carinho por parte de quem recebe estas pessoas com dificuldades que, por vezes, apenas pretendem o esclarecimento de dúvidas”. Actualmente, o GDZ realiza 400 atendimentos por ano, efectuados por diversos meios desde o presencial aos meios digitais. Por vezes, os colaboradores do GDZ deslocam-se às diversas instituições do concelho, permitindo ajudar quem tem pouca mobilidade.
Aquela entidade realiza também acções de formação e sensibilização por todo o conselho de Cascais. Actualmente, também participa no projecto ‘Finanças para Todos’ da Universidade Nova, juntamente com os alunos do curso de Mestrado e nas Licenciaturas na área de economia social. Este projecto é um programa de formação gratuito, dirigido a todos e em especial pessoas com baixos níveis de rendimentos e escolaridade. Ao longo de cinco aulas, realizadas presencialmente na Nova SBE em Carcavelos, os participantes poderão aprender conceitos básicos de literacia financeira, utilizando-os em benefício de uma melhor gestão financeira no seu dia-a-dia.
Uma ideia de 2009
A ideia de criar o Gabinete Divida Zero foi inspirada numa organização internacional de nome “Desafio Miqueias”. Tudo começou com uma parceria a três: a referida organização, a Associação de Beneficência Luso-Alemã (ABLA) e a Junta da União de Freguesias de Carcavelos e Parede. Mais tarde, juntou-se a Câmara Municipal de Cascais e a Junta da União das Freguesias de Cascais e Estoril.
“Os profetas do GDZ foram a ABLA e a Junta de Freguesia”, explica orgulhosamente Pedro Mateus, referindo também a Dr.ª Zilda Costa, antiga Presidente da Junta de Carcavelos que “sem saber muito o fundamento deste projecto, abraçou a iniciativa” que se concretizou em Janeiro de 2009, “quando o País enfrentava uma enorme debilidade económica, para ajudar quem mais precisa e orientar as famílias a gerir os seus orçamentos”. Hoje , a ABLA garante o funcionamento de dois ‘Gabinetes Dívida Zero’ no concelho Cascais: além do sediado em Carcavelos, existe um outro em Cascais, em parceria com a União de Freguesias Cascais/Estoril.
Distinção é um louvor
A recente atribuição do ‘Selo de Boas Práticas de Intervenção Social 2022’ ao GDZ pela Plataforma Supraconcelhia da Grande Lisboa e Oeste, “é um reconhecimento do esforço criado em busca de fazer e transmitir o bem, porque o que mais orgulha o projecto é a aprendizagem criada e posteriormente transmitida em prol de ajudar também os amigos, família e vizinhos”, afirma Pedro Mateus, acrescentando que “é um louvor do bom trabalho desenvolvido por uma ideia inovadora, da não desistência das pessoas, da generosidade e de serem duas cabeças a pensar e não apenas uma para resolver as situações”.
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