Avenida Ressano Garcia (1847 – 1911)

Avenida Ressano Garcia (1847 – 1911)

17 de Janeiro de 2023 0 Por redacção

Ressano Garcia ganhou notoriedade como um dos mentores da expansão e renovação urbana de Lisboa no último quartel do século XIX. A Avenida da Liberdade, a Praça Marquês de Pombal, a Avenida 24 de Julho, os bairros de Campo de Ourique e da Estefânia e a Linha de Sintra, são alguns dos marcos da obra deste político que foi ministro, deputado e par do Reino.



● Frederico Ressano Garcia nasceu nas Mercês (Lisboa), a 12 de Novembro de 1847, sendo filho de António José de Orta e de Fidélia Ressano Garcia. Depois de ter frequentado a Escola Académica até aos 14 anos, matriculou-se no curso de Engenharia da Escola Politécnica de Lisboa. Aluno brilhante, conseguiu, por concurso público, obter transferência para a École Impériale des Ponts et Chaussées, de Paris, onde concluiu o curso de engenharia de pontes e calçadas em 1869. Frede[1]rico casou em Lisboa, Encarnação, a 6 de Agosto de 1873 com Maria Leonor Barreir Marquês de Pombal, e elaborou um plano de expansão da cidade para norte, a partir das margens do Tejo, tendo como eixo principal a actual Avenida da Liberdade. Ressano Garcia foi fortemente influenciado pelos conceitos técnicos e estéticos difundidos por Georges-Eugène Haussmann na renovação de Paris nas décadas de 1850 e 1860. Tal como em Paris, as infra-estruturas para o abastecimento de água, gás e electricidade foram instaladas no subsolo, facilitando a mobilidade de pessoas e veículos à superfície. Quando chegou à CML, a Avenida da Liberdade estava a ser delineada, sobre um moroso e caríssimo processo de expropriações. Ressano Garcia actuou imediatamente na esfera política, fazendo aprovar em Côrtes, em 1878, a “Lei de expropriações por zonas” para viabilizar a “abertura da grande Avenida do Passeio Público às portas de S. Sebastião”. O engenheiro viabilizava assim a sua visão para Lisboa, garantindo não só a expropriação do leito das novas avenidas, mas também de faixas laterais para urbanização imediata e venda, gerando as receitas necessárias para a concretização das novas ideias urbanísticas. O plano, a urbanização e o loteamento foram da responsabilidade municipal, numa vasta área expropriada e depois vendida em hasta pública. O estadista orientou a construção da Avenida da Liberdade, inaugurada em 1879, da Praça Marquês de Pombal, da Avenida 24 de Julho e do Mercado da Ribeira Nova. São também da sua iniciativa os novos bairros de Campo de Ourique e da Estefânia e o vasto conjunto de avenidas, ruas, bairros e parques sitos entre a Praça Marquês de Pombal e o Campo Grande. Entre as artérias toponímia Avenida Ressano Garcia 1847 – 1911 incluídas no plano, constam os arruamentos das Avenidas Novas hoje existentes entre a Praça Duque de Saldanha e Praça de Entrecampos, com especial destaque para a actual Avenida da República. Para além destes projectos, Ressano Garcia executou os projectos de renovação da rede de esgotos da cidade e de abastecimento de água ao porto de Lisboa. Para facilitar a mobilidade, planeou a criação de uma linha ferroviária de cintura, que se prolongava pela Linha de Sintra. Esta intervenção urbanística de Ressano Garcia é considerada a maior realizada em Lisboa desde a reconstrução da cidade que se seguiu ao Terramoto de 1755. Todas estas ideias foram incluídas no “Plano Geral de Melhoramentos da Capital” (comissão 1876-1881). No final de 1907, Ressano Garcia foi demitido do seu cargo de director-geral do Serviço Geral de Obras, mas manteve o seu vínculo de engenheiro da Câmara.

Político progressista

Ressano Garcia foi filiado no Partido Progressista, sendo eleito deputado em 1878, mantendo-se nas Côrtes durante diversas legislaturas. Em 1887, ingressou na Câmara dos Pares, como par do Reino electivo pelo distrito de Lisboa. Na Câmara dos Pares foi primeiro-secretário e vogal da Comissão dos Negócios da Fazenda e Obras Públicas. A 23 de Fevereiro de 1889 substituiu Emídio Navarro no cargo de Ministro de Estado da Marinha e Ultramar do executivo os Cardoso, nascida em Monforte a 3 de Fevereiro de 1846. Um dos seus filhos foi Arnaldo Cardoso Ressano Garcia, professor universitário. O modernizador de Lisboa Em Lisboa foi nomeado professor de engenharia do Instituto Industrial e Comercial de Lisboa. A partir de 1874 foi engenheiro da Câmara Municipal de Lisboa (CML), lugar que acumulou, a partir de 1880, com o de professor na Escola do Exército. Na CML, reorganizou o departamento técnico, da qual foi responsável. Ressano Garcia retomou as ideias de expansão urbana da cidade de Lisboa, iniciadas desde o tempo do presidido por José Luciano de Castro, governo que caiu a 14 de Janeiro de 1890, na sequência do ultimato britânico. Voltou ao governo entre 7 de Fevereiro de 1897 e 18 de Agosto de 1898, também num executivo chefia[1]do por José Luciano de Castro, desta feita, com a pasta de Estado dos Negócios da Fazenda. Na fase final da sua vida, foi presidente da administração da Companhia das Águas de Lisboa, sucessivamente eleito até ao ano da sua morte, director da Companhia Portuguesa de Fósforos e director da Companhia dos Caminhos de Ferro de Lourenço Marques. Foi também nomeado comissário régio e presidente da comissão que organizou a participação de Portugal na Exposição Mundial de 1900, realizada em Paris.

Ao nível da comunicação social, foi redactor do jornal “Progresso”, órgão oficioso do Partido Progressista, e director do diário “O Progressista”. Também colaborou no “Diário Popular” e na “A semana de Lisboa”.

Duas vezes na toponímia lisboeta

Ressano Garcia foi homenageado duas vezes na toponímia de Lisboa. Ainda em vida, o seu nome foi atribuído a uma das novas avenidas da cidade. Uma deliberação camarária de 22 de Abril e o respectivo Edital de 3 de Maio de 1897, renomeou a Avenida das Picoas como Avenida Ressano Garcia. No entanto, com a advento da Revolução Republicana, a CML voltou atrás: logo no dia seguinte à revolta, a 6 de Outubro de 1910, houve uma decisão camarária, publicada no primeiro Edital do novo ciclo político, que a transformou na Avenida da República. Foram precisos 19 anos para Ressano Garcia voltar à toponímia lisboeta, atribuída pelo Edital de 25 de Novembro de 1929, à via que entre o cruzamento da Rua do Marquês de Fronteira e Avenida de António Augusto de Aguiar e Campolide. Por parecer da Comissão de Topo[1]nímia homologado pelo Vice-presidente da CML em 16 de Abril de 1951 foi suprimida a partícula «de» no topónimo e, por edital de 25 de Outubro de 1989, o arruamento cresceu com a inclusão da via construída no prolongamento da Avenida Ressano Garcia até à Universidade Nova. A Rua da Mesquita (prolongamento natural daquela avenida e que anteriormente a integrava), faz a ligação com o Campus de Campolide onde se localiza a reitoria da Universidade Nova de Lisboa. Os seus edifícios são na maioria “art déco” e modernistas. Entre outras honras e condecorações tinha o grau de grande oficial da Legião de Honra, de França. Ressano Garcia faleceu em Lisboa a 27 de Agosto de 1911, contava então 64 anos de idade. Uma povoação fronteiriça de Moçambique tem o seu nome.


Do Passeio Público à Avenida

O Passeio Público, que se manteve como espaço de lazer até finais do século XIX, deu lugar à Avenida da Liberdade, “boulevard” inspirado nos Campos Elísios de Paris. Aquele jardim, integrado no plano da reconstrução da Baixa Pombalina, da autoria de Reinaldo dos Santos, foi um projecto de jardim palaciano destinado a incentivar rituais de sociabilidade da burguesia comercial. Ocupava a zona designada Valverde, na área compreendida entre o que hoje corresponde aos Restauradores e a Praça da Alegria e condicionou a construção na sua envolvente, mesmo sem planos de loteamento ou definição de quarteirões. Na sua primeira fase, foi um recinto murado, quase conventual, espaço que se quis simultaneamente privado e público, por oposição ao Rossio eminentemente popular, local que permitisse um contacto com a natureza e que simultaneamente resolvesse alguns problemas de salubridade. Em 1864, um decreto determinou a execução de “um plano geral dos melhoramentos da capital, atendendo, nele ao das suas ruas, praças, jardins e edificações existentes e à construção e abertura de novas ruas, praças, jardins e edificações, com as condições de higiene e decoração, como do alojamento e livre-trânsito do público”. Uma vez que a expansão da cidade para Norte colidia com a manutenção do Passeio Público, foi decidido rasgar a Avenida por cima do Passeio. Os trabalhos iniciaram-se em 1879 e terminaram em 1883, com a demolição total do antigo parque. Acedendo ao pedido de Ressano Garcia, foi criada em 1876 uma nova comissão para concluir o “plano geral de melhoramentos” iniciado em 1864. Em 1877, Ressano Garcia apresentou o ante-projecto para o eixo central de desenvolvimento para norte elaborado pela Repartição Técnica, e passados dois anos, foi apresentado o projecto para a primeira parte da Avenida. Em 1886, inaugurou-se a Avenida da Liberdade, estabelecendo uma nova etapa na vida da capital.

Principais projectos
Principais projectos para a resolução dos problemas da cidade com intervenção directa de Ressano Garcia que, a partir de 1876, participa nos trabalhos da comissão encarregada do “Plano Geral de Melhoramentos da Capital”, que só seria aprovado em 1904.
● o mercado da Ribeira Nova, que fora inaugurado em 1881, e a Avenida 24 de Julho, que já acompanhava o rio até Alcântara;
● o Plano de esgotos da capital, que fora apresentado em 1884 e se encontrava em implantação;
● a Avenida da Liberdade, que ficara concluída em 1889, originando novas ruas e quarteirões residenciais para poente;
● a Praça Marquês de Pombal, de onde irrompiam amplas vias direccionadas para os sítios do Rato (Braamcamp), de Campolide (Joaquim António de Aguiar), de Santa Marta (Duque Loulé), do Campo Grande (Fontes Pereira de Melo), e Benfica (Castilho e António Augusto de Aguiar) com o fim de facilitar as comunicações e estimular o aparecimento de novos bairros residenciais, como as Avenidas Novas;
● o Parque da Liberdade (actual Eduardo VII), que também já ía ganhando expressão no terreno.

Legado em perigo?
Para muitos fregueses, o legado urbanístico de Ressano Garcia está em perigo de desaparecer, com muitos dos imóveis dos finais do séc. XIX, início do séc. XX, em ruínas ou ameaçados de destruição. Muitos têm já pedidos de demolição aprovados pelo executivo camarário. A protecção cultural do edificado é pouco eficaz, ou mesmo inexistente, permitindo o desaparecimento da Lisboa Romântica na freguesia. A divulgação da memória e herança arquitectónica da cidade é para muitos uma questão que os poderes autárquicos deviam atender. Nenhuma outra cidade portuguesa desenvolveu e implementou planos urbanos desta escala, sublinham. Por outro lado, alguns são de opinião que, no geral, a arquitectura das Avenidas Novas não é relevante em muitos casos. O “Plano Geral de Melhoramentos da Capital” que lhe deu origem não enunciou os princípios normativos da edificação, pelo que cada promotor optou entre prédio ou moradia, pela ocupação de toda a frente do lote ou não, pelo isolamento do edifício ou pela construção em banda. Esta liberdade construtiva, marcada pelo revivalismo, exotismo e ruralismo, acabou por dar alguma incoerência ao edificado da zona.

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